terça-feira, 1 de novembro de 2011

Hipocrisia contra Lula

Personagem político, que ocupa o centro da vida pública brasileira desde sua primeira eleição, em 2003, seria ingenuidade imaginar que o tumor de Lula pudesse ser tratado como um acontecimento banal.

Confirmada a doença, a primeira crítica surgiu: por que ele não vai tratar-se no SUS?, perguntam na internet desde a manhã de sábado.
A exemplo de absolutamente todos seus antecessores, Lula nunca se tratou pelo SUS depois que se tornou presidente da República. Muito antes já havia entregue a própria saúde aos cuidados do médico Roberto Kalil, que cobra honorários salgadíssimos para atender pacientes particulares em seu consultório.
Todos os exames e tratamentos recentes de Lula foram feitos no Sírio Libanês, estabelecimento tão elitizado que não é acessível nem para todos pacientes de convênios particulares.

É verdade que milhões de brasileiros nunca puderam nem poderão ir ao Sirio Libanes para tomar um café expresso na simpatica lanchonete que funciona no andar térreo. Imagine para fazer um tratamento médico.

O debate pode ser resumido a dois argumentos. Um argumento é bom para Lula.
Ao optar por uma clínica privada, o ex-presidente deixa uma vaga no SUS para quem não pode pagar para ser atendido no Sírio Libanes.
Mas outro argumento não é bom para Lula nem para qualquer outro homem público em situação parecida.
Se ele fosse tratar-se pelo SUS, teria de conseguir ajuda para furar a fila que o serviço público reserva a todo paciente em busca de tratamento para doenças com um nível maior de complexidade.
Talvez conseguisse ser atendido no mesmo dia. Mas dificilmente faria todos os exames pedidos nem receberia os resultados num prazo tão rápido. Um paciente comum pode esperar meses para fazer um exame mais complicado. Para escapar desse destino, o ex-presidente deveria contar com amigos influentes para furar a fila. Seria pelo menos constrangedor, vamos combinar.

Pelo menos uma parte das pessoas que faz essa cobrança de Lula deveria refletir um pouco mais. O Brasil já teve até um presidente que, vítima de um problema no coração, preferiu tratar-se fora do país. Mas nunca se fez questionamentos sobre escolhas e opções de tratamento médico. Sempre se considera que, nessa situação, todos devem ter direito ao que for considerado o melhor possível.
Fica, então, uma dúvida. Ou Lula é o único político brasileiro de quem se deve esperar uma postura mais coerente em defesa da saúde pública e por isso só ele deve ser cobrado.

Ou então (será que é sua origem humilde que ainda incomoda as pessoas até hoje?) ele não tem o direito de buscar o mesmo tratamento que os demais.

Há outro aspecto. Nem Lula nem nenhum de seus antecessores foram capazes de transformar a saúde pública num serviço eficiente, capaz de atender todas as pessoas com dignidade — seja o cidadão de classe média, ou aquele mais pobre, e assim por diante. Faltam recursos, como demonstram estatisticas e comparações com países de renda equivalente.

Problemas estruturais de gestão e de administração de pessoal permanecem.

O próprio modelo adotado pelo país é questionável. A saúde privada consome 45% das verbas e atende apenas 25% dos pacientes. É tanto dinheiro que os hospitais públicos abrem leitos para esses pacientes na esperança de receber migalhas que o Estado não paga.

Na presidência, Lula travou uma guerra no Congresso para assegurar a manutenção de verbas para a saúde pública. Seu governo apresentou um projeto que garantia a manutenção da CPMF, aquele imposto do cheque capaz de reservar bilhões de reais para o SUS.
Numa mobilização que envolveu uma grande coleta de recursos por baixo do pano, usados para amaciar o voto de parlamentares em Brasília, a CPMF foi derrotada numa festa da oposição e em ambiente de foguetório conservador.
O argumento usado pelos vitoriosos é que a saúde pública não tem solução, com imposto ou sem imposto. A mensagem é que não há saída fora da medicina privada.
Foi assim que Lula sofreu a principal derrota em dois mandatos.
Todos os ensaios realizados pelo governo Dilma Rousseff para encontrar novas formas de financiamento para a saúde foram bloquedos com o mesmo argumento.
É curioso que, na semana passada os médicos do SUS cruzaram os braços para pedir um reajuste nos salários. A reação foi de indiferença geral.
Ironicamente, os mesmos adversários que impediram a manutenção de verbas para a saúde pública agora querem que o presidente se trate pelo SUS.
É estranho, não?

Fonte: Revista Época

Um comentário:

EMANUEL M. disse...

Só mesmo esse pessoal da elite pra fazer esse tipo de comentário imbecil. O Lula bem que quis que a CPMF (que quem pagava é quem tinha muito ou um pouco mais)continuasse valendo pra injetar mais de 40.000.000 na saúde, porém, a elite: DEMôníacos e PSDBostas não concordaram e agora a culpa é do presidente-Operário, FALA SÉRIO nooooojjjeeeennntttooosss!!!!!