quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Cidade dos Homens: A Coroa do Imperador - Parte 2












Esta postagem refere-se ao episódio “A Coroa do Imperador”, da minissérie “Cidade dos Homens”, exibida em 2002, pela Rede Globo, que tem como personagens principais Acerola e Laranjinha, que são alunos de uma escola pública e uma professora de História, cujo nome é desconhecido. O episódio narra a realidade escolar dos meninos e traça paralelos entre o cotidiano da violência na favela onde eles moram e o conteúdo ministrado pela professora - a Independência do Brasil. 

Durante a aula, enquanto a professora descarrega mecanicamente um desfile de acontecimentos, por meio de slide, os alunos tentam interrompê-la para manifestar suas dúvidas. Indiferente aos anseios dos alunos, a professora posiciona-se como agente do processo de ensino e limita os discentes à condição de ouvintes, deixando claro que a mesma representa a escola na visão tradicional, ou seja, ela detém o poder quanto à metodologia, conteúdo, avaliação e forma de interação. Continua sua espécie de auto aula, um monólogo e sem preocupar-se com a compreensão dos alunos, sendo seu único interesse é a conclusão do conteúdo, ela insiste em perguntar: “posso dar aula”? Não é o processo de ensino-aprendizagem, é só parte dele: o ensino.

Um aspecto chama a atenção: o recurso tecnológico (projetor de slides) é utilizado de forma acessória, ilustra a fala da professora, não possibilita interação e nem construção do conhecimento por parte do aluno, nos prova que tecnologia sem inovação metodológica não acrescenta nada, é inútil.

Após as explicações, a professora informa que haverá uma excursão da turma para Petrópolis, cujo objetivo será conhecer a coroa do imperador e impõe algumas condições aos alunos, tais como: o pagamento pelo custo do passeio e que o conteúdo deverá ser resumido oralmente, para que eles demonstrem o que assimilaram do assunto tratado na auto aula. A partir desse momento, percebe-se que o interesse dos alunos é mais pelo passeio enquanto momento de lazer do que, propriamente, pelo conteúdo que está sendo trabalhado. A preocupação em conseguir o dinheiro para o passeio é outro problema evidenciado no filme, através dos personagens Acerola e Laranjinha. 

O ponto mais relevante do filme é seu final, o retorno ao ambiente da sala de aula; onde os alunos são submetidos a uma espécie de “prova oral” e, como nenhum deles obtêm bom aproveitamento, a professora resolve cancelar a excursão, justificando que não houvera interesse deles pelo conteúdo trabalhado (a professora responsabiliza os alunos pelo fracasso escolar); é nesse momento que Acerola propõe à professora explicar todo o conteúdo ministrado por ela com a condição que, se ele obtiver êxito, ela deixará que todos participem do passeio. Acerola explica a independência do Brasil e a invasão do território português, comandada por Napoleão Bonaparte, através de outra história, ou seja, sua própria experiência adquirida nos morros onde mora e então faz uma analogia aos dois mundos, a favela e o asfalto. Os soldados de Napoleão são comparados com os traficantes, cuja hierarquia também é militar, o chefe é o general, que apresenta os seus soldados. 

Surge a associação de fatos ocorridos na vida real com a história exposta em sala de aula. Aos poucos, Acerola, utilizando associações de estratégias de conquistas empreendidas por Napoleão com as dos traficantes do morro, consegue passar para turma tudo o que entendeu, obtendo um bom desempenho e atraindo a atenção dos demais alunos da classe, o que deixa a professora surpresa e reflexiva no que diz respeito a sua prática pedagógica, sendo que a mesma retoma as explicações concluindo as associações anteriormente iniciadas.

No dizer de Aristeu Portela:

Um traço que percorre todo o enredo desse episódio sintetiza, a meu ver, seu objetivo: o desejo de relatar, contar, representar uma outra história do Brasil. O que fica claro, na reação dos alunos a uma professora que descarrega quase automaticamente sobre eles um desfile de fatos e personalidades históricas (no caso específico, a fuga da corte portuguesa para o Brasil em 1808), é a distância construída entre a noção de brasilidade que aprendemos a considerar certa e oficial, e a vida cotidiana de boa parte dos brasileiros – ou, como poderia talvez dizer Guy Debord, da distância entre a História (com “h” maiúsculo) e a vida realmente vivida dos homens.
      
Clic nos links e assista o filme, depois deixe seus comentários:

·         Parte 1 - http://www.youtube.com/watch?v=vIliPChFgRs




         
Marcelo Carvalho

2 comentários:

Blog do Roberto Martins disse...

É Marcelo, entendi que a versão de Estado que ficou foi a concepção do aluno, portando ele não precisa da escola para entender o pacto social, é isso?
Insisto sempre que é necessário dar significado ao conhecimento prévio dos alunos envolvendo-os com o conhecimento sistematizados das área. A outra parte da aula seriam atividades que viabilizassem a relação de conhecimentos sistematizados com realidade vivenciada pelos alunos. Mas isso não interessa ao produto mercadológico (filme) que faz apologia à barbárie quando evidencia o poder paralelo do tráfico em lugar do Estado.
É papel da escola ensinar sim!
Roberto Martins

Marcelo Carvalho disse...

Roberto,

Começarei pelas convergências, elas nos unem.

De fato a obrigação primeira da escola é ensinar aos alunos o conhecimento sistematizado nas diversas áreas do conhecimento, e ensinar bem!

Focalizei meu texto mas no aspecto da aula e da metodologia da professora.

Outros itens caberiam e podem iniciar novas discussões, como o que apontas, o conceito de estado e a visão maniqueísta da velha mídia e sua insistência em evidenciar a violência urbana.

Acho que no final de uma das postagens solicito a intervenção dos leitores, aqui vejo que aceitastes o convite, obrigado.

Mas faço outra instigação: escreva mais sobre sua interpretação do filme, sobre o fato histórico narrado e principalmente sobre o que dizes:
"Insisto sempre que é necessário dar significado ao conhecimento prévio dos alunos envolvendo-os com o conhecimento sistematizado das área. A outra parte da aula seriam atividades que viabilizassem a relação de conhecimentos sistematizados com realidade vivenciada pelos alunos".

Gostei muito, queria que você falasse mais sobre o assunto, se desejar o espaço está aberto, envie o texto que posto aqui no blog.

Um abraço fraternal,

Marcelo Carvalho