terça-feira, 28 de junho de 2011

Reciclagem: um bom negócio

S0BRA LIXO E FALTA ENERGIA ELÉTRICA:

O PROBLEMA PODE SER A SOLUÇÃO
Sabetai Calderoni *


Todos reconhecem que a escassez de energia elétrica e a falta de áreas adequadas para a disposição final dos resíduos constituem-se em dois dos mais graves problemas com que se defronta o Brasil atualmente. Felizmente, existe já a possibilidade de se resolver esses dois problemas com uma única solução: a produção de energia elétrica a partir de resíduos.
O risco de racionamento de energia no país tem sido discutido pelos especialistas e, embora não haja um total consenso sobre esta questão, numerosos trabalhos publicados recentemente alertam para o perigo de sofrermos restrições no fornecimento de energia, possivelmente já em 2001, sobretudo com a confirmação da retomada do crescimento econômico a taxas da ordem de 4% ao ano.
Por outro lado, acentua-se a crise referente à falta de Aterros Sanitários, especialmente nos centros urbanos de maior porte. No caso do município de São Paulo, por exemplo, os dois únicos Aterros remanescentes estão em vias de terem suas áreas totalmente saturadas a curto prazo, não havendo na cidade outras áreas disponíveis ou licenciáveis para a implantação de novos Aterros.

A produção de energia elétrica a partir do lixo

A produção de energia elétrica era monopólio estatal até bem pouco tempo no Brasil. As recentes mudanças institucionais introduzidas no setor elétrico, com a criação da ANEEL e a instituição do Mercado Atacadista de Energia (MAE) deram origem a um novo modelo.
Na esteira das alterações normativas, finalmente, a partir de julho de 2000, já é permitido a qualquer empresa produzir energia e vendê-la, a qualquer consumidor, desde que seja de ao menos 3 MW a potência instalada correspondente à energia comercializada.
O transporte da energia foi também alvo de nova regulação, não havendo mais obstáculos à sua contratação, a qual deve seguir uma tabela de preços já estabelecida.
Com esse novo modelo institucional do setor elétrico, tornou-se possível a produção de energia elétrica a partir do lixo com o envolvimento da iniciativa privada e passaram a ser viáveis parcerias entre empresas e prefeituras.
E é muito significativa a contribuição que essa nova forma de se gerar energia pode trazer. De fato, cada 200 ton/dia da fração orgânica dos resíduos sólidos domiciliares permitem a implantação de uma Usina Termelétrica com a potência de 3 MW, capaz de atender uma população de 30 mil habitantes. Isso quer dizer que, se a fração orgânica (60%) de todo o lixo domiciliar brasileiro, que é da ordem de 120.000 ton/dia, fosse utilizada para produzir energia elétrica, poderíamos implantar Usinas Termelétricas com potência significativa, cujo valor seria apreciável.
Para as indústrias, haveria um tríplice ganho: poderiam contar com uma fonte adicional e permanente de suprimento de energia, tendo, potencialmente, uma alternativa adicional para a disposição dos resíduos não perigosos que geram, além dos ganhos econômicos decorrentes dessa nova forma de geração de energia e disposição de resíduos.
Para os municípios, a economia seria muito grande. Seus gastos com a implantação e a operação de aterros sanitários seriam quase inteiramente evitados. Além disso, seriam reduzidas as distâncias percorridas pelos caminhões de coleta, outra forma importante de se economizar e, ao mesmo tempo, melhorar o tráfego urbano. E tudo isso, sem a necessidade de investimentos por parte das Prefeituras, uma vez que tudo poderia ser feito através de terceirização, pela concessão dos serviços a empresas.
As combalidas finanças dos municípios já não suportam mais a pressão que os gastos com a coleta e a disposição de resíduos representam: entre 5% e 12 % da arrecadação das prefeituras é utilizada para esse fim, montante freqüentemente superior à sua capacidade de investimento.
Por isso, é especialmente auspicioso o fato de que o retorno proporcionado pela exploração do lixo é tão expressivo que chega a ser suficiente para aguçar o interesse do setor privado. Os investimentos ficariam a cargo dos empresários, os quais poderiam se beneficiar da possibilidade de vender a energia elétrica gerada e adubo de excelente qualidade, além de poderem cobrar uma taxa pela recepção do lixo – desde que em montante inferior à economia que estivessem proporcionando às finanças municipais.
Ademais, as vantagens sociais são inequívocas. Além da geração de empregos, crianças e adultos que buscam retirar dos lixões meios para subsistir, trabalhando em condições subumanas, poderão passar a integrar cooperativas voltadas para uma atuação organizada e regular em Centrais de Reciclagem Integral de Resíduos.

Tecnologias: Incineração vs. Processos Biológicos

As tecnologias disponíveis não são tão recentes assim, mas só agora vão poder ser adotadas no Brasil. Nos Estados Unidos, na Europa e no Japão já foram implantadas Usinas Termelétricas alimentadas por resíduos, notadamente a partir dos anos 80. Essas tecnologias, embora já se mostrem economicamente viáveis, em muitos casos apresentaram problemas ambientais.
A incineração e o processamento biológico são, essencialmente, as duas formas adotadas para se produzir energia elétrica com a quase total eliminação da necessidade de aterros sanitários.
A incineração é um modo ambientalmente mais arriscado de resolver o problema. Isso porque resulta na emissão de dioxinas e furanos, gases potencialmente perigosos para a saúde humana, e que, suspeita-se, poderiam induzir até o câncer.
É bem verdade que foram desenvolvidos nos últimos anos sistemas de filtros capazes de reduzir substancialmente esse risco. A tal ponto que até a Alemanha, país tido como talvez o mais rigoroso em matéria de controle ambiental, chegou a conceder licença para o funcionamento de número significativo de incineradores. Mesmo assim, em vários países como Suécia, Canadá, Bélgica e Holanda foram fechados alguns deles em função dos riscos que apresentam.
Além disso, há também o problema de que acarretam uma perda de matéria orgânica, algo sempre contra-indicado como prática ambientalmente sustentável.
Não se pode esquecer, por fim, de que os incineradores tendem a agravar o efeito estufa, perigo ao qual o mundo está cada vez mais atento.
De um modo geral, os processos biológicos são mais viáveis economicamente e não agridem a natureza. Esta tecnologia faz com que os resíduos orgânicos, através da compostagem, se transformem em adubo orgânico, o qual, se adequadamente processado, pode ter alta qualidade. Ao mesmo tempo, é produzido metano suficiente para gerar energia elétrica em quantidade apreciável, com produtividade similar à dos incineradores, e ainda com grandes vantagens ambientais.
Tais vantagens decorrem do aproveitamento integral da matéria orgânica sem a emissão de dioxinas e furanos, os gases perigosos para a saúde do homem. Além disso, os processos biológicos contribuem para evitar o agravamento do efeito estufa.
Outro ganho energético interessante reside na possibilidade de armazenamento do metano para geração de energia elétrica preferencialmente nos horários de pico, o que aumenta ainda mais os ganhos econômicos.
Os processos biológicos permitem, assim, a venda de energia e adubo sem que a natureza perca matéria orgânica e tornam possível às Prefeituras a quase eliminação da necessidade de aterros sanitários.
Além do mais, uma pré-seleção do lixo urbano poderia permitir a retirada de latas de alumínio e aço, papel, papelão, vidro e plástico, os quais também tem um valor econômico. Outro ganho importante seria a geração de empregos na triagem desses materiais, com o uso de equipamentos de baixo custo, como esteiras e prensas.
Em conclusão, os processo biológicos são via de regra preferíveis, devendo os incineradores ser adotados apenas em casos muito extremos, sob rígido controle e quando as situações locais o exigirem, em função, por exemplo, de uma grande dificuldade de aproveitamento do adubo orgânico gerado.

A reciclagem do lixo é economicamente viável?

Há ainda quem duvide de que a reciclagem do lixo seja, de fato, economicamente viável, tanto no que se refere à fração orgânica (restos de comida etc), como à fração seca (plásticos, papel, metais, vidro etc). Mas os fatos parecem demonstrar o contrario.
As 120.000 t / dia de lixo produzidas no Brasil, sendo cerca de 72.000 t / dia (60%) de lixo orgânico, permitiriam a implantação de um parque gerador com a potência instalada de 1.080 MW, capaz de permitir aos municípios uma economia da ordem de R$ 1 bilhão por ano e de mais cerca de R$ 500 milhões de custos evitados de disposição final em Aterros Sanitários. A economia seria, portanto, de R$ 1, 5 bilhão / ano para o país como um todo.
Mas e a economia que se poderia obter a partir da fração seca? A esse respeito, em livro por nós recentemente publicado, denominado "Os Bilhões Perdidos no Lixo" (Ed. Humanitas, 1999, 3ª ed), as conclusões são de que, tanto para o Brasil, como para o município de São Paulo, a economia seria também de bilhões. Isto é ilustrado pelo quadro a seguir apresentado, o qual permite uma visão em maior profundidade dos resultados encontrados para o Brasil:
Quadro 3
BRASIL ECONOMIA RESULTANTE DA RECICLAGEM DO LIXO
em R$ milhões de setembro de 1996 (R$ 1=U$1)

ECONOMIA
=
V
-V
-C
+W
+M
+H
+A
Ganho
=
Venda de recicláveis
Venda de recicláveis
Custo da Reciclagem
Economia
de
Energia
Economia de
Matéria Prima
Economia de Recursos Hídricos
Economia de Custos Ambientais
POSSÍVEL 5.835,9 = 1.273,3 -1.273,3 -382,0 1.338,9 4.170,7 704,0 4,5
OBTIDA
1.191,6
= 363,3 -363,3 -109,0 340,3 735,6 223,9 0,8
PERDIDA
4.644,5
=
744,4
-744,4
-273,0
998,6
3.435,1
480,1
3,7
Fonte: Sabetai Calderoni, "Os Bilhões Perdidos no Lixo", Ed. Humanitas, 1997, Capítulo 15, Quadro 15.18, Quadro 15.19 e Quadro 15.20, pp. 284 a 286.
Desse quadro depreende-se que a economia possível através da reciclagem do lixo no Brasil pode ser estimada em, ao menos, R$ 5,8 bilhões. Deste total, foi obtida economia de R$ 1,2 bilhões, tendo sido perdidos, pela não reciclagem, R$ 4,6 bilhões.
A economia de matéria-prima constitui o principal fator de economia, respondendo por 71% do total possível e 62% do obtido através da reciclagem. O segundo fator em valor é a economia de energia elétrica, contribuindo com 23% do total possível e 29% do obtido.
O papel é o reciclável de maior peso, seja na economia possível (38%), seja na obtida (60%), ou na perdida (33%). Segue-se o plástico, cuja contribuição alcança 57% da economia possível e 33% da obtida. Essas variações entre o papel e o plástico devem-se, em grande parte, ao maior índice de reciclagem alcançada pelo primeiro.
O maior item singular de economia possível é a matéria-prima do plástico; no que se refere à economia obtida, a economia de matéria-prima e de energia proporcionadas pela reciclagem do papel são os itens de maior expressão.
Deve-se lembrar, contudo, que neste estudo a medida da economia de água e da redução dos custos ambientais não chegou a abranger a totalidade dos ganhos efetivamente alcançados, nem foram calculados para o Brasil os custos evitados pelas Prefeituras, dada a indisponibilidade das informações requeridas.
Cumpre enfatizar que os resultados ora apresentados constituem apenas uma ordem de grandeza, subestimada, dos ganhos que a reciclagem do lixo pode proporcionar sob o ponto de vista do conjunto da sociedade.
Tendo em vista esses dados, para se ter uma idéia mais completa da questão, vale a pena resumir as principais conclusões desse trabalho e oferecer uma visão de conjunto dos resultados mais importantes que as informações coligidas e as análises realizadas permitiram alcançar:

A COLETA SELETIVA, NO CONTEXTO DO PROCESSO DE RECICLAGEM DO LIXO, É ECONOMICAMENTE VIÁVEL NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO E NO BRASIL. NÃO RECICLAR SIGNIFICA DEIXAR DE AUFERIR RENDIMENTOS DA ORDEM DE BILHÕES DE REAIS TODOS OS ANOS.

A cada tonelada de lixo domiciliar (reciclável) que se deixa de reciclar no município de São Paulo, deixa-se de auferir um ganho da ordem de R$ 712. No total, estima-se que a perda anual seja de R$ 791 milhões (para as 1.112 mil t/ano de recicláveis descarregados nos Aterros Sanitários). No Brasil, deixa-se de obter cerca de R$ 4,6 bilhões anuais pela parte do lixo domiciliar que não é reciclada .

A COLETA SELETIVA PODERIA SER PRATICADA NO MUNICÍPIO, COM GRANDE PROVEITO PARA TODOS OS AGENTES.

O mercado de recicláveis pode auferir cerca de R$ 135 por tonelada, valor com o qual são já remunerados todos os sucateiros, carrinheiros e catadores e também são cobertos todos os gastos com transporte, armazenagem e processamento dos recicláveis. Os custos que a reciclagem evita para a Prefeitura com a coleta, transporte, transbordo e disposição final do lixo são de quase R$ 50 por tonelada. A coleta seletiva permitiria a obtenção de produtos recicláveis com menor grau de impurezas, o que elevaria o seu valor de mercado. Para implementá-la, a Prefeitura precisaria organizar-se com grau de eficiência semelhante ao vigente no mercado, ou poderia, alternativamente, terceirizar os serviços .

O PAPEL DESEMPENHADO PELO ESTADO, COM RELAÇÃO À COLETA SELETIVA E A TODO O PROCESSO DE RECICLAGEM É DE AUSÊNCIA E OMISSÃO, NAS TRÊS ESFERAS DE PODER

Observou-se que a reciclagem do lixo não vem sendo contemplada por nenhuma das três esferas de poder enquanto objeto de políticas públicas. A causa pode estar na falta de informação técnica, na pressão das demais questões que pesam sobre a agenda política, nas dificuldades de aparelhamento administrativo e, sobretudo, na ausência de pressão por parte dos segmentos interessados na manutenção do status quo. A conseqüência é que o governo está deixando de estimular atividade de grande potencial para a promoção do desenvolvimento, em termos de geração de renda, emprego , equilíbrio ambiental e qualidade de vida da população como um todo. Impõe-se, nesse sentido, a urgente instituição de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, articulada a políticas estaduais e municipais correspondentes.

A RECICLAGEM DO LIXO CONTRIBUI PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, EM ESPECIAL PARA O DESENVOLVIMENTO ECONOMICAMENTE SUSTENTÁVEL

Os fatores que tornam a reciclagem do lixo economicamente viável convergem, todos eles, para a proteção ambiental e a sustentabilidade do desenvolvimento, pois referem-se à economia de energia, à economia de matérias-primas, à economia de água e à redução da poluição do subsolo, do solo, da água e do ar. E convergem também para a promoção de uma forma de desenvolvimento economicamente sustentável e socialmente sustentável, pois envolvem ganhos econômicos para a sociedade como um todo.

RECOMENDA-SE A ADOÇÃO DE ABORDAGEM MACROECONÔMICA E MACROESPACIAL PARA A AVALIAÇÃO DA VIABILIDADE ECONÔMICA DA RECICLAGEM DO LIXO.

A literatura referente à avaliação da viabilidade econômica da reciclagem tem sido desenvolvida seguindo uma abordagem microeconômica. Ao mesmo tempo, os geógrafos têm se inclinado por abordagens de cunho intra-urbano, ou quando muito urbano. Embora tais abordagens sejam necessárias, recomenda-se, no presente estudo, a adoção de um enfoque macroeconômico e macroespacial, de sorte a poderem-se dele derivar resultados e aplicações como os ora sugeridos.

*Sabetai Calderoni é Doutor em Ciências pela USP (FFLCH), pós-graduado em Planejamento pela Universidade de Edimburgo (Grã-Bretanha) e autor do livro "Os Bilhões Perdidos no Lixo" (Ed. Humanitas, 1999, 3ª ed.).

Fonte: http://www.reciclaveis.com.br/sabetai1.htm

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