S0BRA LIXO E FALTA ENERGIA ELÉTRICA:
         
O PROBLEMA PODE SER A SOLUÇÃO
Sabetai Calderoni         *
Todos         reconhecem que a escassez de energia elétrica e a falta de áreas adequadas para a         disposição final dos resíduos constituem-se em dois dos mais graves problemas com que         se defronta o Brasil atualmente. Felizmente, existe já a possibilidade de se resolver         esses dois problemas com uma única solução: a produção de energia elétrica a partir         de resíduos.
O risco de racionamento de energia no país tem sido discutido pelos especialistas e,         embora não haja um total consenso sobre esta questão, numerosos trabalhos publicados         recentemente alertam para o perigo de sofrermos restrições no fornecimento de energia,         possivelmente já em 2001, sobretudo com a confirmação da retomada do crescimento         econômico a taxas da ordem de 4% ao ano.
Por outro lado, acentua-se a crise referente à falta de Aterros Sanitários,         especialmente nos centros urbanos de maior porte. No caso do município de São Paulo, por         exemplo, os dois únicos Aterros remanescentes estão em vias de terem suas áreas         totalmente saturadas a curto prazo, não havendo na cidade outras áreas disponíveis ou         licenciáveis para a implantação de novos Aterros.
A         produção de energia elétrica a partir do lixo
A         produção de energia elétrica era monopólio estatal até bem pouco tempo no Brasil. As         recentes mudanças institucionais introduzidas no setor elétrico, com a criação da         ANEEL e a instituição do Mercado Atacadista de Energia (MAE) deram origem a um novo         modelo.
Na esteira das alterações normativas, finalmente, a partir de julho de 2000, já é         permitido a qualquer empresa produzir energia e vendê-la, a qualquer consumidor, desde         que seja de ao menos 3 MW a potência instalada correspondente à energia comercializada.
O transporte da energia foi também alvo de nova regulação, não havendo mais         obstáculos à sua contratação, a qual deve seguir uma tabela de preços já         estabelecida.
Com esse novo modelo institucional do setor elétrico, tornou-se possível a produção de         energia elétrica a partir do lixo com o envolvimento da iniciativa privada e passaram a         ser viáveis parcerias entre empresas e prefeituras.
E é muito significativa a contribuição que essa nova forma de se gerar energia pode         trazer. De fato, cada 200 ton/dia da fração orgânica dos resíduos sólidos         domiciliares permitem a implantação de uma Usina Termelétrica com a potência de 3 MW,         capaz de atender uma população de 30 mil habitantes. Isso quer dizer que, se a fração         orgânica (60%) de todo o lixo domiciliar brasileiro, que é da ordem de 120.000 ton/dia,         fosse utilizada para produzir energia elétrica, poderíamos implantar Usinas         Termelétricas com potência significativa, cujo valor seria apreciável.
Para as indústrias, haveria um tríplice ganho: poderiam contar com uma fonte adicional e         permanente de suprimento de energia, tendo, potencialmente, uma alternativa adicional para         a disposição dos resíduos não perigosos que geram, além dos ganhos econômicos         decorrentes dessa nova forma de geração de energia e disposição de resíduos.
Para os municípios, a economia seria muito grande. Seus gastos com a implantação e a         operação de aterros sanitários seriam quase inteiramente evitados. Além disso, seriam         reduzidas as distâncias percorridas pelos caminhões de coleta, outra forma importante de         se economizar e, ao mesmo tempo, melhorar o tráfego urbano. E tudo isso, sem a         necessidade de investimentos por parte das Prefeituras, uma vez que tudo poderia ser feito         através de terceirização, pela concessão dos serviços a empresas.
As combalidas finanças dos municípios já não suportam mais a pressão que os gastos         com a coleta e a disposição de resíduos representam: entre 5% e 12 % da arrecadação         das prefeituras é utilizada para esse fim, montante freqüentemente superior à sua         capacidade de investimento.
Por isso, é especialmente auspicioso o fato de que o retorno proporcionado pela         exploração do lixo é tão expressivo que chega a ser suficiente para aguçar o         interesse do setor privado. Os investimentos ficariam a cargo dos empresários, os quais         poderiam se beneficiar da possibilidade de vender a energia elétrica gerada e adubo de         excelente qualidade, além de poderem cobrar uma taxa pela recepção do lixo – desde         que em montante inferior à economia que estivessem proporcionando às finanças         municipais.
Ademais, as vantagens sociais são inequívocas. Além da geração de empregos, crianças         e adultos que buscam retirar dos lixões meios para subsistir, trabalhando em condições         subumanas, poderão passar a integrar cooperativas voltadas para uma atuação organizada         e regular em Centrais de Reciclagem Integral de Resíduos.
Tecnologias:         Incineração vs. Processos Biológicos
As         tecnologias disponíveis não são tão recentes assim, mas só agora vão poder ser         adotadas no Brasil. Nos Estados Unidos, na Europa e no Japão já foram implantadas Usinas         Termelétricas alimentadas por resíduos, notadamente a partir dos anos 80. Essas         tecnologias, embora já se mostrem economicamente viáveis, em muitos casos apresentaram         problemas ambientais.
A incineração e o processamento biológico são, essencialmente, as duas formas adotadas         para se produzir energia elétrica com a quase total eliminação da necessidade de         aterros sanitários.
A incineração é um modo ambientalmente mais arriscado de resolver o problema. Isso         porque resulta na emissão de dioxinas e furanos, gases potencialmente perigosos para a         saúde humana, e que, suspeita-se, poderiam induzir até o câncer.
É bem verdade que foram desenvolvidos nos últimos anos sistemas de filtros capazes de         reduzir substancialmente esse risco. A tal ponto que até a Alemanha, país tido como         talvez o mais rigoroso em matéria de controle ambiental, chegou a conceder licença para         o funcionamento de número significativo de incineradores. Mesmo assim, em vários países         como Suécia, Canadá, Bélgica e Holanda foram fechados alguns deles em função dos         riscos que apresentam.
Além disso, há também o problema de que acarretam uma perda de matéria orgânica, algo         sempre contra-indicado como prática ambientalmente sustentável.
Não se pode esquecer, por fim, de que os incineradores tendem a agravar o efeito estufa,         perigo ao qual o mundo está cada vez mais atento.
De um modo geral, os processos biológicos são mais viáveis economicamente e não         agridem a natureza. Esta tecnologia faz com que os resíduos orgânicos, através da         compostagem, se transformem em adubo orgânico, o qual, se adequadamente processado, pode         ter alta qualidade. Ao mesmo tempo, é produzido metano suficiente para gerar energia         elétrica em quantidade apreciável, com produtividade similar à dos incineradores, e         ainda com grandes vantagens ambientais.
Tais vantagens decorrem do aproveitamento integral da matéria orgânica sem a emissão de         dioxinas e furanos, os gases perigosos para a saúde do homem. Além disso, os processos         biológicos contribuem para evitar o agravamento do efeito estufa.
Outro ganho energético interessante reside na possibilidade de armazenamento do metano         para geração de energia elétrica preferencialmente nos horários de pico, o que aumenta         ainda mais os ganhos econômicos.
Os processos biológicos permitem, assim, a venda de energia e adubo sem que a natureza         perca matéria orgânica e tornam possível às Prefeituras a quase eliminação da         necessidade de aterros sanitários.
Além do mais, uma pré-seleção do lixo urbano poderia permitir a retirada de latas de         alumínio e aço, papel, papelão, vidro e plástico, os quais também tem um valor         econômico. Outro ganho importante seria a geração de empregos na triagem desses         materiais, com o uso de equipamentos de baixo custo, como esteiras e prensas.
Em conclusão, os processo biológicos são via de regra preferíveis, devendo os         incineradores ser adotados apenas em casos muito extremos, sob rígido controle e quando         as situações locais o exigirem, em função, por exemplo, de uma grande dificuldade de         aproveitamento do adubo orgânico gerado.
A         reciclagem do lixo é economicamente viável?
Há         ainda quem duvide de que a reciclagem do lixo seja, de fato, economicamente viável, tanto         no que se refere à fração orgânica (restos de comida etc), como à fração seca         (plásticos, papel, metais, vidro etc). Mas os fatos parecem demonstrar o contrario.
As 120.000 t / dia de lixo produzidas no Brasil, sendo cerca de 72.000 t / dia (60%) de         lixo orgânico, permitiriam a implantação de um parque gerador com a potência instalada         de 1.080 MW, capaz de permitir aos municípios uma economia da ordem de R$ 1 bilhão por         ano e de mais cerca de R$ 500 milhões de custos evitados de disposição final em Aterros         Sanitários. A economia seria, portanto, de R$ 1, 5 bilhão / ano para o país como um         todo.
Mas e a economia que se poderia obter a partir da fração seca? A esse respeito, em livro         por nós recentemente publicado, denominado "Os Bilhões Perdidos no Lixo" (Ed.         Humanitas, 1999, 3ª ed), as conclusões são de que, tanto para o Brasil, como para o         município de São Paulo, a economia seria também de bilhões. Isto é ilustrado pelo         quadro a seguir apresentado, o qual permite uma visão em maior profundidade dos         resultados encontrados para o Brasil:
Quadro 3
BRASIL ECONOMIA           RESULTANTE DA RECICLAGEM DO LIXO
em R$         milhões de setembro de 1996 (R$ 1=U$1)
             | 
                 | 
ECONOMIA
 | 
G  | 
= | 
V | 
-V | 
-C | 
+W | 
+M | 
+H | 
+A |                   | 
Ganho | 
= | 
Venda                 de recicláveis | 
Venda                 de recicláveis | 
Custo                 da Reciclagem | 
Economiade
 Energia
 | 
Economia                 deMatéria Prima
 | 
Economia                 de Recursos Hídricos | 
Economia                 de Custos Ambientais |                   | POSSÍVEL | 5.835,9 | = | 1.273,3 | -1.273,3 | -382,0 | 1.338,9 | 4.170,7 | 704,0 | 4,5 |                   | OBTIDA | 
1.191,6 | = | 363,3 | -363,3 | -109,0 | 340,3 | 735,6 | 223,9 | 0,8 |                   | 
PERDIDA | 
4.644,5 | 
= | 
744,4 | 
-744,4 | 
-273,0 | 
998,6 | 
3.435,1 | 
480,1 | 
3,7 |  | 
 
Fonte:           Sabetai Calderoni, "Os Bilhões Perdidos no Lixo", Ed. Humanitas, 1997,           Capítulo 15, Quadro 15.18, Quadro 15.19 e Quadro 15.20, pp. 284 a 286.
Desse         quadro depreende-se que a economia possível através da reciclagem do lixo no Brasil pode         ser estimada em, ao menos, R$ 5,8 bilhões. Deste total, foi obtida economia de R$ 1,2         bilhões, tendo sido perdidos, pela não reciclagem, R$ 4,6 bilhões.
A economia de matéria-prima constitui o principal fator de economia, respondendo por 71%         do total possível e 62% do obtido através da reciclagem. O segundo fator em valor é a         economia de energia elétrica, contribuindo com 23% do total possível e 29% do obtido.
O papel é o reciclável de maior peso, seja na economia possível (38%), seja na obtida         (60%), ou na perdida (33%). Segue-se o plástico, cuja contribuição alcança 57% da         economia possível e 33% da obtida. Essas variações entre o papel e o plástico         devem-se, em grande parte, ao maior índice de reciclagem alcançada pelo primeiro.
O maior item singular de economia possível é a matéria-prima do plástico; no que se         refere à economia obtida, a economia de matéria-prima e de energia proporcionadas pela         reciclagem do papel são os itens de maior expressão.
Deve-se lembrar, contudo, que neste estudo a medida da economia de água e da redução         dos custos ambientais não chegou a abranger a totalidade dos ganhos efetivamente         alcançados, nem foram calculados para o Brasil os custos evitados pelas Prefeituras, dada         a indisponibilidade das informações requeridas.
Cumpre enfatizar que os resultados ora apresentados constituem apenas uma ordem de         grandeza, subestimada, dos ganhos que a reciclagem do lixo pode proporcionar sob o ponto         de vista do conjunto da sociedade.
Tendo em vista esses dados, para se ter uma idéia mais completa da questão, vale a pena         resumir as principais conclusões desse trabalho e oferecer uma visão de conjunto dos         resultados mais importantes que as informações coligidas e as análises realizadas         permitiram alcançar:
A         COLETA SELETIVA, NO CONTEXTO DO PROCESSO DE RECICLAGEM DO LIXO, É ECONOMICAMENTE VIÁVEL         NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO E NO BRASIL. NÃO RECICLAR SIGNIFICA DEIXAR DE AUFERIR         RENDIMENTOS DA ORDEM DE BILHÕES DE REAIS TODOS OS ANOS.
A         cada tonelada de lixo domiciliar (reciclável) que se deixa de reciclar no município de         São Paulo, deixa-se de auferir um ganho da ordem de R$ 712. No total, estima-se que a         perda anual seja de R$ 791 milhões (para as 1.112 mil t/ano de recicláveis descarregados         nos Aterros Sanitários). No Brasil, deixa-se de obter cerca de R$ 4,6 bilhões anuais         pela parte do lixo domiciliar que não é reciclada .
A         COLETA SELETIVA PODERIA SER PRATICADA NO MUNICÍPIO, COM GRANDE PROVEITO PARA TODOS OS         AGENTES.
O         mercado de recicláveis pode auferir cerca de R$ 135 por tonelada, valor com o qual são         já remunerados todos os sucateiros, carrinheiros e catadores e também são cobertos         todos os gastos com transporte, armazenagem e processamento dos recicláveis. Os custos         que a reciclagem evita para a Prefeitura com a coleta, transporte, transbordo e         disposição final do lixo são de quase R$ 50 por tonelada. A coleta seletiva permitiria         a obtenção de produtos recicláveis com menor grau de impurezas, o que elevaria o seu         valor de mercado. Para implementá-la, a Prefeitura precisaria organizar-se com grau de         eficiência semelhante ao vigente no mercado, ou poderia, alternativamente, terceirizar os         serviços .
O         PAPEL DESEMPENHADO PELO ESTADO, COM RELAÇÃO À COLETA SELETIVA E A TODO O PROCESSO DE         RECICLAGEM É DE AUSÊNCIA E OMISSÃO, NAS TRÊS ESFERAS DE PODER
Observou-se         que a reciclagem do lixo não vem sendo contemplada por nenhuma das três esferas de poder         enquanto objeto de políticas públicas. A causa pode estar na falta de informação         técnica, na pressão das demais questões que pesam sobre a agenda política, nas         dificuldades de aparelhamento administrativo e, sobretudo, na ausência de pressão por         parte dos segmentos interessados na manutenção do status quo. A conseqüência é que o         governo está deixando de estimular atividade de grande potencial para a promoção do         desenvolvimento, em termos de geração de renda, emprego , equilíbrio ambiental e         qualidade de vida da população como um todo. Impõe-se, nesse sentido, a urgente         instituição de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, articulada a políticas         estaduais e municipais correspondentes.
A         RECICLAGEM DO LIXO CONTRIBUI PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, EM ESPECIAL PARA O         DESENVOLVIMENTO ECONOMICAMENTE SUSTENTÁVEL
Os         fatores que tornam a reciclagem do lixo economicamente viável convergem, todos eles, para         a proteção ambiental e a sustentabilidade do desenvolvimento, pois referem-se à         economia de energia, à economia de matérias-primas, à economia de água e à redução         da poluição do subsolo, do solo, da água e do ar. E convergem também para a promoção         de uma forma de desenvolvimento economicamente sustentável e socialmente sustentável,         pois envolvem ganhos econômicos para a sociedade como um todo.
RECOMENDA-SE         A ADOÇÃO DE ABORDAGEM MACROECONÔMICA E MACROESPACIAL PARA A AVALIAÇÃO DA VIABILIDADE         ECONÔMICA DA RECICLAGEM DO LIXO.
A         literatura referente à avaliação da viabilidade econômica da reciclagem tem sido         desenvolvida seguindo uma abordagem microeconômica. Ao mesmo tempo, os geógrafos têm se         inclinado por abordagens de cunho intra-urbano, ou quando muito urbano. Embora tais         abordagens sejam necessárias, recomenda-se, no presente estudo, a adoção de um enfoque         macroeconômico e macroespacial, de sorte a poderem-se dele derivar resultados e         aplicações como os ora sugeridos.
*Sabetai Calderoni é Doutor         em Ciências pela USP (FFLCH), pós-graduado em Planejamento pela Universidade de         Edimburgo (Grã-Bretanha) e autor do livro "Os Bilhões Perdidos no Lixo" (Ed.         Humanitas, 1999, 3ª ed.).
 
Fonte: http://www.reciclaveis.com.br/sabetai1.htm